O meu nome é Jandira Lopes, tenho 34 anos e sou mãe de 4 filhos. 1 menino e 3 meninas (os gémeos Gonçalo e Sara, a Margarida e a Madalena). Infelizmente, a Sara já partiu para o céu mas continuo a ser a sua mãe e um dia sei que voltaremos a estar juntas.
Tive a honra de ser convidada pela minha amiga Ana Valido para escrever sobre maternidade. O objectivo seria partilhar algo que eu achasse relevante sobre a minha experiência em ser mãe. Aceitei logo mas, confesso, quando comecei a escrever tive muita dificuldade, até bloqueei. O que é que eu posso dizer que seja importante para outras mães? Por onde começo?
Aos 21 anos engravidei de gémeos. Tínhamos casado, eu e o Bruno, apenas há um ano. Comprámos um T1, 1 carro comercial e eu estudava história da Arte enquanto trabalhava. Como jovens que éramos tínhamos tudo planeado. Comprávamos uma casa pequena, eu ia tirando o curso devagar, viajaríamos, mais tarde queria dar aulas e lá para os 28 pensava em ser mãe. Queria ter dois filhos, pelo menos.
De repente a vida surpreende-nos com o inesperado e tudo sai fora dos planos. - Está gravida de 8 semanas e de gémeos! -Uau! Mal tinha conseguido gerir o que tinha ouvido e aceitar aquela benção a dobrar. 17 semanas depois eu entrava prematuramente no hospital em trabalho de parto sem causa aparente e dei à luz dois bebés minúsculos com apenas 25 semanas e pouco mais de 500 gramas.
Lutavam entre a vida e a morte. Ali vi sofrimento a sério. Abruptamente sai da minha meninice e conheci e convivi com seres humanos insensíveis e maus e outros maravilhosos e inspiradores. A dor que sentia era igualmente intensa e infinita, como o amor de mãe deve ser. Andavam de mãos dadas amor e dor exactamente na mesma proporção.
Foi nessa altura que aceitei Jesus na minha vida como meu Senhor e Salvador pois, afinal, eu precisava de forças, de salvação e luz e direcção. Seis meses depois de tantas dificuldades saí do hospital com uma menina linda, que apenas 1 mês depois de nascer ficou com um diagnóstico de paralisia cerebral gravíssima de quase 100% e totalmente dependente de mim, sem possibilidades de andar ou falar, e com uma grave epilepsia. Também saí com um menino lindo cujo diagnóstico dizia que iria depender de oxigénio artificial durante, não se sabia quanto tempo, e que convinha desde já mentalizar-me que esse menino iria andar sempre internado, com infecções respiratórias e etc. Já não podia mais ouvir mais nada daquilo. Era uma pesada sentença de desgraças, e o meu coração estava triste e partido, com uma força de mãe que só as mães têm e uma única esperança em Deus e no seu auxilio e a imensa vontade de honrar cada gota de sangue que os meus filhos perderam, cada picada (até perdi a conta) cada reanimação, cada operação, entubação, infecção, transfusão e muitos "ãos" e "ites" a que aqueles pequeninos seres sobreviveram, tão frágeis, tão valentes e tão limitados à sua condição mas que me deram tanto amor sempre que as suas mãos feridas e minúsculas se fechavam na cabeça do meu dedo, ou que o seu coraçãozinho acelerava apenas por eu chegar perto deles no hospital.
Lembro-me que liguei à minha mãe, que foi quem semeou no meu coração que Deus é bom e que a salvação vem Dele, chorei muito! Dizia-lhe: - mãe não aguento mais a Sara tem um destino cruel e agora o Gonçalo vai estar sempre aqui internado dizem os médicos - . A minha mãe desligou e ligou-me 5 minutos depois com um recado. - Jandira, orei a Deus e Ele falou comigo e disse-me abre a Bíblia em Isaías 37:6. - O texto dizia: Não ligues ao que acabaste de ouvir, estas a ouvir filha?! DEUS disse não ligues ao que os médicos acabaram de dizer sobre o Gonçalo filha, acredita! Eu acreditei pois afinal só me restava a fé e a esperança que Deus iria cuidar de nós, pelo menos era a Sua promessa.
Mais tarde o Gonçalo, já livre do oxigénio, com uns 5 anos numa consulta de rotina de pneumologia, a Dra. disse aos seus alunos assistentes, ela e não eu: - Eu vi este menino nascer e ele passou por isto e aquilo (lá descreveu). Foi dependente de oxigénio por dois anos e não meses como eu previ e é um bebe milagre. Nunca foi internado e nunca teve nenhuma infecção respiratória.
Deus é bom e cumpre tudo o que diz, cuidou de nós e mesmo não curando a Sara, deu-nos tudo o que precisávamos. A Sara foi muito amada e bem cuidada e estava sempre a sorrir. Ensinou-nos a todos a sermos pessoas melhores e mais sensíveis. Acredito que filhos especiais fazem pais e irmãos especiais. Ela mesmo sendo diferente e tão limitada deu-me tanto amor e ajudou-me a suportar uma vida difícil de luta, sonhos adiados, interrompidos, impossibilidade de fazermos coisas normais como ir ao cinema, ir à praia. Não podíamos porque ela era imunodeficiente o que a fazia adoecer com frequência. Nunca deixei de sorrir porque aprendi com a Sara a não desistir de viver, e ela queria muito viver. Pelo contrario, aprendi a ser feliz na adversidade, a dançar na chuva e a ser feliz com muito pouco, a valorizar o que realmente importa.
Deus forjou-nos a nós, sua família, através do sofrimento e tornou-nos melhores pessoas como não seria possível de outra forma. Transformou tudo o que era mau em coisas boas. Na carta do Apóstolo Paulo aos Coríntios diz no Cap. 2:9 A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo.
Eu não posso dizer que Deus às vezes decide não curar, porque não vi isso acontecer na Bíblia. Jesus sempre curou por onde passou. O que sei é que este versículo foi a Sua palavra para a minha vida muitas vezes e sim, eu vivi pela Sua Graça e Ele foi glorificado nas minhas fraquezas. Em todas as adversidades que vivi Deus tocou outros à minha volta. Hoje a minha família próxima é quase toda crente. Vi tantas maravilhas de Deus e fomos tão abençoados que não tenho aqui espaço para escrever tudo. Percebem agora porque que não sabia por onde começar?
O que quero partilhar, de facto, é que nos momentos de maior dor, vi Deus sempre os transformando em algo bom.
3 anos depois foi muito importante para curar esta ferida emocional viver o amor maravilhoso da maternidade sem dor. Fui mãe da Margarida, uma menina saudável com quem já vivi a experiência normal da maternidade em que saímos do hospital com uma bebé linda e saudável e com um enxoval todo preparado por mim. Pude descansar em paz porque Deus tinha-me revelado que eu iria segurar um bebé que eu embalava e sentiria só amor e não dor.
A dor que eu sentia quando segurava na Sara era porque não iria andar nem falar, porque não brincava com o irmão, porque não segurava nos brinquedos. Com a Margarida apesar dos nossos medos e não ter sido uma gravidez planeada foi algo fresco e renovador, um presente de Deus não só para nós como país mas especialmente para os irmãos.
O Gonçalo já tinha com quem brincar e a Sara tinha uma mana para a ajudar e estimular. Aconselho todos os pais que tiveram uma má experiência que, se possível, tenham outro filho. É bom para todos. Só vivendo isso dá para perceber.
Deus levou a Sara sem dor e inesperadamente aos 7 anos de idade, num domingo durante o sono. Prefiro realçar como Deus cuidou de mim nessa altura, me ajudou e me carregou no colo durante aqueles dias de dor intensa. Vivi novamente dias parecidos com aqueles em que se deixa de ter uma filha saudável para ter uma filha que não iremos nunca conhecer qual a sua cor preferida, quais os seus sonhos, passos, conquistas e escolhas de vida. São momentos indescritíveis em que sentimos que um comboio nos atropela e não sabemos se vivemos ou se morremos.
Deus, na sua infinita bondade, salvou-me uma vez mais. Hoje vivo em paz com a perda da Sara. afinal sempre lhe pedi ou que a curasse ou que a levasse para perto Dele, onde não há dor nem doença. Pobres dos pais que não têm esta certeza. Só não esperava que fosse tão cedo e sem aviso prévio. Pode parecer duro uma mãe dizer isto, mas sabem, duro é viver uma vida em que estamos presas num corpo e que se nos entra uma pestana no olho temos de aguentar até que a nossa mãe repare. Podia descrever muito mais mas penso que esta imagem chega. Apesar de sempre sorrir para nós, a Sara sofreu e muito e eu pouco podia fazer. Isso mata-nos por dentro, ver um filho sofrer e sofrer todos os dias. Mas ela já não sofre mais e está feliz agora e isso consola-me e esta separação é só um "até breve".
Ainda em luto engravido, mais uma vez inesperadamente, da Madalena. Uma menina linda, saudável e até um pouco parecida com a Sara. Ninguém substitui ninguém, não é isso de todo! mas ela foi, sem duvida, um bálsamo consolador que Deus me deu! No livro de Job Cap. 42:12-15 diz: Desta forma o Senhor abençoou Job, no fim da sua vida, mais do que no principio. Deus deu-lhe igualmente mais outros sete filhos e três filhas e em toda a terra não houve raparigas tão encantadoras como estas filhas de Job.
Obrigada Deus por tudo o que me deste e no que me tornaste. Tu és a minha força. Tu transformas tudo o que está mal em algo bom.
por Jandira Lopes
Edição @Ana Valido
fotos cedidas por @jandy lopes









